CONTOS DE

ILONA BASTOS

 

CRÓNICAS E CONTOS
ESTA NOITE SONHEI CONTIGO

..

Beatriz

.

De manhã acordou bem disposta, lembrando-se dos acontecimentos do dia anterior. Fora tudo como não planeara, isto é, de improviso. Como, aliás, as melhores coisas da vida… - pensou.

.

Buscou os chinelos de pano e o roupão com as cores do arco-íris. Assim mesmo - voltou a pensar - envolta no arco-íris.

.

Puxou a persiana da janela e pestanejou para a mata de tons esverdeados e chuvosos. Na linha do comboio, em frente, passava uma composição após outra, a toda a velocidade. Mesmo em baixo, na estrada molhada, os automóveis travavam perante o sinal luminoso. Nada de muito especial - franziu o nariz - mais um dia de chuva.

.

Directa para a sala, abriu o armário e esticou o braço. Da pequena caixa de plástico retirou algumas raspas de várias cores que, em bicos de pés, deitou no aquário, lá em cima, brilhante de luz como uma bola de cristal. Exuberante, o "Dimanche" movia e removia a transparência alaranjada da cauda e das barbatanas, a boca em "O" abrindo-se e fechando-se à superfície.

.

“ Goldfish! Goldfish!” sorriu ela, degustando as palavras.

.

Da televisão, cujo botão pressionou, irrompeu o discurso agradável da professora de ginástica. Dirigiu-se à cozinha, para retirar, do frigorífico, a manteiga. O pão da véspera foi impiedosamente cortado às fatias e colocado na torradeira. Num segundo, espalhava sofregamente pela superfície tostada nacos de manteiga renitentes em derreter. A  água já fervia.

.

A caneca com patos naif de cores suaves fumegava ao lado do sofá, na mesinha do telefone. As torradas, no prato de cerâmica amarela, pareciam deliciosas.

.

Sorridente, a professora de ginástica incitava: Vá, levantem a perna direita. E estica, estica...

.

Terminado o café, surgiu a urgência de se arranjar. Na casa de banho ouviu música alta, as luzes acesas no máximo. No quarto, sorrateira, a chuva alternava com o sol, a bater nos vidros da janela.

.

Já quase pronta, ouviu um rumorejar vindo da divisão contígua. Passinhos rápidos soaram, fofos, no chão de madeira. De olhos brilhantes, atenta, voltou a cabeça, deixando suspenso o gesto de pentear o cabelo, o braço erguido, a escova no ar.

.

E um menino esguio, aloirado, de cabelinho curto e faces claras, apareceu, esfregando os olhos. Então, foi só o tempo de abrirem os braços e correrem, ambos, um para o outro.

.

“ Mamã, esta noite sonhei contigo!”

.

..

Home.... I ...Dados Biográficos... l ...Poemas... l ....Hai-kai.... l ...Contacto... l .. Crónicas

© 2004 - Ilona Bastos - Todos os direitos reservados
Pintura de Goya

Mais recente actualização: 7 de Novembro de 2004