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Caros Leitores,
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Não estranheis, peço-vos, a familiaridade com que
me dirijo a vós, mas o momento não se adequa a mais
esmeradas formalidades.
É
urgente, é imprescindível que vos alerte para um
facto de extrema importância antes que inicieis a
leitura deste livro.
Aviso-vos:
Este livro não é o que parece!
Exactamente.
Escolhestes,
caros leitores, este pequeno volume de capa atraente
que se encontrava inocentemente pousado sobre a
prateleira de uma estante ou num escaparate de uma
bela livraria. E pensastes, certamente influenciados
pelo título: Ora aqui está uma leitura repousante.
Contudo,
nada é mais falso que esse ingénuo pensamento.
Atenção!
A leitura destas histórias assemelhar-se-á a uma
viagem numa montanha russa. Às mais esfusiantes
subidas suceder-se-ão descidas abruptas e
imprevisíveis. Quando menos esperardes, tereis
perdido o pé da rotina e encontrar-vos-eis em
caminhos desconhecidos, dos quais sereis arrancados
com um novo solavanco. De volta ao quotidiano,
mergulhareis no mais simples do que é o viver.
Depois, sem perceberdes como, sereis levados a
afastar a cortina que separa a aparência da
realidade...
O
título é uma armadilha colocada no caminho do
leitor incauto. Tem por função captar o seu
interesse, aguçar-lhe a curiosidade, espicaçar esse
escondidíssimo nicho de preguiça e ociosidade que
existe dentro de cada um de nós e que surge,
desperto, à mera sugestão de uma amena tarde de
Verão à beira mar.
Compreendeis
agora o ardil?
Entendeis
a gravidade da situação?
Tranquiliza-me
ter-vos esclarecido, e gostaria, até, de vos
confidenciar o seguinte:
Pensei
muito, antes de atribuir a estas pequenas histórias
um título tão enganador. Decidi, primeiro,
apelidá-las de Momentos de Sentir.
Depois, optei por Momentos de Viver.
Finalmente, conclui: Momentos de Sentir e de
Viver - no Feminino. Isto sim, isto corresponde
à natureza dos contos agrupados neste livro (pensava
eu!)...
Mas
eis que uma mente masculina - que mais poderia ser? -
interroga vagamente:
-
Momentos de sentir?
-
Sim, sentimentos!
-
Sentimentos ou sensações?
-
Sensações e sentimentos. Procurei coleccionar um
pouco de tudo...
-
Trata-se, então de uma colecção de momentos de
sentir. Uma colecção completa?
-
De maneira nenhuma, antes diria, incipiente.
- E
coleccionas momentos teus?
-
Meus, de outras, imaginários. Em todo o caso, sempre
no feminino.
- E
os momentos de viver, o que são?
Vivamentos?
-
Vivências! Sim, vivências!
-
Desculpa, mas tudo isso me parece muito estranho!
Estranho!
Estranho! Estranho!
Subitamente,
a estranheza de outro ataca-me o raciocínio com a
fúria de um virus destruidor ao qual não tenho
defesas a opôr.
Tudo
o que anteriormente me parecera dotado de uma lógica
sólida e inabalável, surge-me vago, perdendo
gradualmente o sentido.
As
palavras, como peças de um puzzle incompleto,
bailam-me no espírito, agrupando-se aqui,
encostando-se ali, até que a construção anterior
se transforma numa enorme paisagem desfigurada em que
o que era já não é e o que não era nunca será.
Compreendi,
então, que também aos nossos escritos se aplica o
princípio universal de que as coisas são
exactamente o contrário daquilo que parecem.
Assim
sendo, para quê procurar um título que revele a
essência do livro se, encimados por uma qualquer
denominação, os textos imediatamente abandonarão o
seu sentido originário para se transformarem no seu
contrário?
Concluo
que melhor salvaguarda o âmago destas pequenas
histórias um título aleatório do que um nome
determinado com precisão milimétrica.
E
eis que chegamos à Amena Tarde de Verão à
Beira Mar.
De
entre todos os títulos possíveis, porque não
escolher o mais evocativo, o mais atractivo, perdido
a folhas tantas desta obra? Amena Tarde de
Verão à Beira-Mar! Que bem que soa! Que
lembranças nos traz! Que sonhos suscita!
Que
doce é a pronúncia destas palavras!
Num
impluso, agarro-as, extraio-as do seu contexto -
relutantes em partir, tímidas, constrangidas.
Asseguro-vos
que ainda tentaram escapar, suscitar-me dúvidas,
ocultando-se por detrás de vocábulos mais sonantes
ou de mais inteligentes orações.
Mas,
eis-me intransigente. Estou decidida. Não abro mão
do meu título aleatoriamente determinado.
Localizei-o e trouxe-o até à capa desta obra.
.
Foi
o título que vos motivou, não é verdade?
Ou
foi a capa, com a deliciosa pintura de Lebasque
(capaz de nos transportar, numa qualquer manhã
rotineira, até ao limiar do desconhecido?)
Bom,
seja como for, aqui estamos nós, ambos, todos, a
trocar ideias - que é o que importa.
Esclarecida
esta questão prévia, como se impunha, recebo-vos,
com o maior prazer, na leitura destes contos.
Entrai,
pois, e acomodai-vos.
Sede
bem-vindos!
Escrevi
para vós.