CONTOS DE

ILONA BASTOS

 

CRÓNICAS E CONTOS

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Caros Leitores,

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        Não estranheis, peço-vos, a familiaridade com que me dirijo a vós, mas o momento não se adequa a mais esmeradas formalidades.

É urgente, é imprescindível que vos alerte para um facto de extrema importância antes que inicieis a leitura deste livro.

Aviso-vos: Este livro não é o que parece!

Exactamente.

Escolhestes, caros leitores, este pequeno volume de capa atraente que se encontrava inocentemente pousado sobre a prateleira de uma estante ou num escaparate de uma bela livraria. E pensastes, certamente influenciados pelo título: Ora aqui está uma leitura repousante.

Contudo, nada é mais falso que esse ingénuo pensamento.

Atenção! A leitura destas histórias assemelhar-se-á a uma viagem numa montanha russa. Às mais esfusiantes subidas suceder-se-ão descidas abruptas e imprevisíveis. Quando menos esperardes, tereis perdido o pé da rotina e encontrar-vos-eis em caminhos desconhecidos, dos quais sereis arrancados com um novo solavanco. De volta ao quotidiano, mergulhareis no mais simples do que é o viver. Depois, sem perceberdes como, sereis levados a afastar a cortina que separa a aparência da realidade...

O título é uma armadilha colocada no caminho do leitor incauto. Tem por função captar o seu interesse, aguçar-lhe a curiosidade, espicaçar esse escondidíssimo nicho de preguiça e ociosidade que existe dentro de cada um de nós e que surge, desperto, à mera sugestão de uma amena tarde de Verão à beira mar.

Compreendeis agora o ardil?

Entendeis a gravidade da situação?

Tranquiliza-me ter-vos esclarecido, e gostaria, até, de vos confidenciar o seguinte:

Pensei muito, antes de atribuir a estas pequenas histórias um título tão enganador. Decidi, primeiro, apelidá-las de “Momentos de Sentir”. Depois, optei por “Momentos de Viver”. Finalmente, conclui: “Momentos de Sentir e de Viver - no Feminino”. Isto sim, isto corresponde à natureza dos contos agrupados neste livro (pensava eu!)...

Mas eis que uma mente masculina - que mais poderia ser? - interroga vagamente:

- Momentos de sentir?

- Sim, sentimentos!

- Sentimentos ou sensações?

- Sensações e sentimentos. Procurei coleccionar um pouco de tudo...

- Trata-se, então de uma colecção de momentos de sentir. Uma colecção completa?

- De maneira nenhuma, antes diria, incipiente.

- E coleccionas momentos teus?

- Meus, de outras, imaginários. Em todo o caso, sempre no feminino.

- E os momentos de viver, o que são? “Vivamentos”?

- Vivências! Sim, vivências!

- Desculpa, mas tudo isso me parece muito estranho!

Estranho! Estranho! Estranho!

Subitamente, a estranheza de outro ataca-me o raciocínio com a fúria de um virus destruidor ao qual não tenho defesas a opôr.

Tudo o que anteriormente me parecera dotado de uma lógica sólida e inabalável, surge-me vago, perdendo gradualmente o sentido.

As palavras, como peças de um puzzle incompleto, bailam-me no espírito, agrupando-se aqui, encostando-se ali, até que a construção anterior se transforma numa enorme paisagem desfigurada em que o que era já não é e o que não era nunca será.

Compreendi, então, que também aos nossos escritos se aplica o princípio universal de que as coisas são exactamente o contrário daquilo que parecem.

Assim sendo, para quê procurar um título que revele a essência do livro se, encimados por uma qualquer denominação, os textos imediatamente abandonarão o seu sentido originário para se transformarem no seu contrário?

Concluo que melhor salvaguarda o âmago destas pequenas histórias um título aleatório do que um nome determinado com precisão milimétrica.

E eis que chegamos à “Amena Tarde de Verão à Beira Mar”.

De entre todos os títulos possíveis, porque não escolher o mais evocativo, o mais atractivo, perdido a folhas tantas desta obra? “Amena Tarde de Verão à Beira-Mar”! Que bem que soa! Que lembranças nos traz! Que sonhos suscita!

Que doce é a pronúncia destas palavras!

Num impluso, agarro-as, extraio-as do seu contexto - relutantes em partir, tímidas, constrangidas.

Asseguro-vos que ainda tentaram escapar, suscitar-me dúvidas, ocultando-se por detrás de vocábulos mais sonantes ou de mais inteligentes orações.

Mas, eis-me intransigente. Estou decidida. Não abro mão do meu título aleatoriamente determinado. Localizei-o e trouxe-o até à capa desta obra.

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Foi o título que vos motivou, não é verdade?

Ou foi a capa, com a deliciosa pintura de Lebasque (capaz de nos transportar, numa qualquer manhã rotineira, até ao limiar do desconhecido?)

Bom, seja como for, aqui estamos nós, ambos, todos, a trocar ideias - que é o que importa.

Esclarecida esta questão prévia, como se impunha, recebo-vos, com o maior prazer, na leitura destes contos.

Entrai, pois, e acomodai-vos.

Sede bem-vindos!

Escrevi para vós.

 

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Pintura de Goya

Mais recente actualização: 7 de Novembro de 2004